sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Opinião: O estranho "patriotismo" (?) cabo-verdiano.

Jordan Ayew, jovem franco-ganês de 18 anos, acaba de ser elevado ao estatuto de herói no Gana. O atleta, filho de Abedi Pelé, nascido em Marselha e que representa o Olympique da mesma cidade, rejeitou integrar a selecção francesa com o simples argumento de que... é ganês.

A Federação Ganesa de Futebol não perdeu tempo e, talvez em forma de retaliação à sua congénere francesa, convocou o jovem Ayew para o jogo da 1ª jornada de qualificação para a CAN 2012.

Talvez pelo fato de terem como referência ganeses como Michael Essien, que também  não hesitou em representar o Gana em vez de esperar por uma chamada da França, país onde começou a carreira profissional, os jovens futebolistas ganeses ou de ascendência ganesa estarão cada vez mais inclinados a representar os "Black Stars". "Black Stars" que tão bem representaram Gana e África no último Mundial, tendo levado às lágrimas milhões de adeptos do futebol por todo o Continente Africano, devido à dramática eliminação aos pés do Uruguai.

Alguém se lembra do que era a Côte d'Ivoire antes de Drogba ter decidido representar o país onde nasceu? Uma seleção mediana, que nunca tinha conseguido alcançar grandes patamares no futebol africano, nem nunca se tinha apurado para um Mundial. Drogba, jogador de classe mundial, é um herói nacional e tornou-se no rosto do país. Hoje, os jovens marfinenses têm o sonho de jogar de "laranja", como o seu ídolo Drogba, e não de esperar por uma convocatória dos "Azuis" da França... Vale lembrar que o jovem Drogba foi para França com apenas 5 anos, para viver com um tio. Regressou à terra-mãe 3 anos depois, mas aos 13 anos de idade fixava-se definitivamente em solo francês, juntamente com os pais. Chegou a ser convidado para jogar pela França mas não aceitou.

Afinal, o grande Didier até passou a maior parte da sua vida em França! Os prémios de jogo na seleção francesa são superiores! Porque carga d'água optou por representar a Côte d'Ivoire? Segundo o próprio Drogba, no momento em que foi contactado pela Federação marfinense não hesitou: naquele momento falaram mais alto as origens, aquilo que ele realmente é, o povo marfinense, o hino marfinense. Drogba podia ter dito que não, podia ter dito que cresceu em França e sentia-se francês, mas não o fez!

Quem de fato gosta de futebol não pode comparar o futebol de clubes com o de seleções. Representar um PAÍS, um POVO, uma BANDEIRA, um HINO, devia ser algo puro, baseado no patriotismo e não em interesses sujos de progressão na carreira. Felizmente George Weah jogou pela Libéria! E nem sequer o fato do seu país natal enfrentar uma guerra civil foi suficiente para que o liberiano sequer pensasse em jogar pela França, país de acolhimento.

Em Cabo Verde a situação é triste, e tirando Dady, que podia almejar a seleção portuguesa mas não hesitou em jogar por Cabo Verde ainda novo, quantos mais fizeram o mesmo? Valdo, Sandro Mendes ou Pelé só aceitaram jogar pelos Tubarões Azuis quando se aproximavam dos 30 anos de idade e o sonho de jogar por Portugal ou Espanha começava a morrer. Fernando Tissone se calhar vai pelo mesmo caminho. Rolando e Nélson, nascidos e criados em Cabo Verde, renegaram a Seleção de Todos Nós. Zé Luís, que deverá ter um futuro grandioso, também recusou agora representar a Seleção. A comunicação social dá mais destaque a Nani, Rolando, Benfica ou Porto do que a Dady, Stopira, Fock ou Boavista da Praia, que de fato estão a defender a nossa bandeira. Nas redes sociais, todos comentam os resultados dos clubes estrangeiros, mas o Senegal vs Cabo Verde só era referido por alguns aficionados casmurros. Que espécie de país é este? 


E não me venham falar na Federação, porque eu também sou um grande crítico. O futebol jovem é uma desgraça em Cabo Verde, a falsificação das idades dos jogadores por certos clubes segue impune, há jogadores que parece terem lugar cativo na seleção (Ernesto, por exemplo), enquanto outros nunca são chamados, entre mais uma dezena de coisas. Mas acima de tudo somos cabo-verdianos, vamos lutar para melhorar e não fugir com o rabo à seringa. Quem sente o país representa os Tubarões Azuis, e se tiver diferendos com a FCF que fale e provoque um verdadeiro debate sobre a Seleção no país!

Aqui, a convocatória sai e ninguém diz nada. Nenhum jornalista pergunta o porquê disto, o porquê daquilo, qual a lógica por trás da convocatória de um jogador que ainda não fez nenhum minuto esta época, porque não está na seleção o jogador "X" que tem jogado muito bem em França ou Holanda. Não há análises. Nada. ZERO. Não há massa crítica? Somos um povo que só anda ao sabor da corrente? Somos algas? A pouca discussão é feita pelos aficionados nos comentários às notícias do "A Semana", "Expresso" ou "Nha Terra". Ficam exemplos:

- Valter lesionou-se ontem com alguma gravidade e não poderá defrontar o Mali. Hoje, na edição das 16:30 do Jornal do Desporto da Rádio de Cabo Verde não houve qualquer referência a este assunto. Ninguém tentou sequer saber se irá ser chamado um substituto.

-Após o empate dos Tubarões Azuis frente a Portugal, a medíocre análise feita na Televisão de Cabo Verde centrou-se no fato da espinha dorsal da Seleção já ser veterana, tendo sido dado o exemplo do... Veiga. Dizer que Veiga faz parte da espinha dorsal dos Tubarões Azuis é de uma incomensurável estupidez.

O nosso futebol precisa de mais patriotas, de jogadores que considerem que vestir as cores do nosso país é algo único, que provoca uma sensação inexplicável. E são esses atletas que merecem todo o destaque. Vamos valorizar os nossos Weah's, Drogba's, Etoo's, Ayew's, Essien's. Chamem-se eles Dady, Lito, Gegê, Héldon, Fock, Nando, Babanco e os outros atletas internacionais. Os verdadeiros heróis do nosso futebol.

Rumos ao CAN 2012!

5 comentários:

Amílcar Tavares disse...

Totalmente de acordo, Eder.

E.E. disse...

É o meu mano ;)

Bu skesi di Ricardo

Unknown disse...

Na sociedade que se vive hoje em dia infelizmente o amor ao materialismo (dinheiro) fala mais alto do que o amor ao país!

evandro disse...

Muito bom o seu texto. Já tinha exposto o mesmo há muito tempo tanto num texto jornalístico como num post num blog.
Não há volta a dar. Mas digo-lhe que a própria federação nada faz para chamar estes jovens que estão la fora.
O Gelson Fernandes estava de ferias em cabo verde e foi a sede ds federacao num dia de semana tratar da papelada para jogar por cabo verde e nao encontrou ninguem. Dias depois era chamado para a seleccao A da suiça, ele que já tinha representado os escaloes jovens dos helveticos.
a verdade é que ninguem faz nada para os jogadores que estao fora jogar por cabo verde. ate a propria federacao foge aos seus deveres...
quanto ao nosso jornalismo, é um jornalismo de compadrio, uma podridao que mete nojo...

hami disse...

Federação - ZERO
Jornalistas - ZERO; ZERO; ZERO,

é o país que temos